A Princesa Mononoke: uma animação ecofeminista

Hoje faremos uma indicação um pouco diferente: uma animação japonesa! Quando decidimos falar sobre ecofeminismo neste mês das mulheres aqui na Jaci, eu não pude deixar de lembrar dos filmes do Studio Ghibli. Foi aí que surgiu a ideia de recomendá-los a vocês e refletir sobre alguns dos principais aspectos dessas obras que fazem delas tão necessárias para os dias de hoje.

Para quem não conhece, o Studio Ghibli é um estúdio de cinema de animação japonês, que criou filmes aclamados pela crítica e é conhecido por seus enredos fantasiosos, com um alto teor de espiritualidade e ecologia. As histórias quase sempre trazem personagens femininas fortes, que fogem daquele padrão das princesas da Disney à espera do príncipe encantado. Não que a Disney não esteja se reinventando, mas o Studio Ghibli faz filmes ecofeministas desde a sua criação, em 1984! O seu primeiro filme, Nausicaä do Vale do Vento, já é bem ecofeminista. Os enredos fantasiosos e que sempre trazem reflexões profundas já fariam todos os filmes valerem muito a pena. Mas além disso, os filmes são verdadeiras obras de arte. Os cenários são lindos. A trilha sonora fica por conta de Joe Hisaishi, um gênio e meu compositor favorito de todos os tempos, e que tive a felicidade de conhecer através dos filmes! Ou seja, se você nunca viu nenhum filme do Ghibli, eu sairia correndo agora para maratonar! 🙂 Ainda mais que todos eles estão disponíveis no Netflix! Nesse texto vou trazer um pouco das minhas impressões sobre A Princesa Mononoke, que é o filme da minha vida, sem exageros! E em um próximo texto, vou falar dos outros favoritos da minha listinha para reflexões ecofeministas!

O filme Princesa Mononoke foi lançado em 1997 e foi um sucesso mundial. O filme conta a história do príncipe Ashitaka e se inicia com um ataque à sua aldeia por um demônio-deus da floresta. O demônio, após ser derrotado pelo príncipe, o fere, deixando a maldição que fará Ashitaka ter sua vida consumida pelo ódio. Ao consultar a anciã de sua tribo, primeira figura feminina que aparece no filme, Ashitaka é aconselhado a investigar o motivo do demônio ter se enfurecido contra os humanos. Assim, ele parte em sua jornada em busca da cura para a maldição.

Sua busca o levou e o envolveu em uma verdadeira guerra entre os deuses da floresta e a Ilha de Ferro, um povoado que está invadindo e desmatando a floresta cada vez mais para explorar o minério de ferro. Esses dois lados são representados por figuras femininas. De um lado, temos a San, a própria Princesa Mononoke, menina que é metade humana e metade loba (impossível deixar de associar essa personagem ao livro “Mulheres que correm com os lobos”, de Clarissa Pinkola Estés, né? Será que o livro foi inspiração para Miyazaki, diretor do filme? Muito provável!). San é defensora dos espíritos da floresta. Por ter crescido vendo os humanos destruírem a floresta, nutriu um ódio pela sua própria espécie e se recusa a confiar e a amar os humanos. De outro lado, temos Lady Eboshi, uma mulher forte que construiu e que lidera a ilha do Ferro. Eboshi cuida muito bem das mulheres da ilha e as fez protagonistas de seu povoado. Lá, são as mulheres que trabalham na mineração, fabricam armas e até guerreiam por sua aldeia, ou seja, ocupam espaços que são geralmente ocupados por homens. Foi uma desconstrução para a época em que o filme foi lançado, em 1997, mas Miyazaki fez questão de utilizar esses elementos para contrapor ao passado patriarcal das dinastias japonesas.

Talvez fosse lógico pensar que se trata de uma história do bem contra o mal, sendo a Princesa Mononoke a grande salvadora e a Lady Eboshi, a vilã da história. Mas neste enredo, os personagens são muito complexos, indo de um extremo a outro em vários momentos. A Lady Eboshi, por exemplo, por mais que seja a dona da empresa responsável por destruir a floresta, é uma figura amada pelos habitantes da ilha por tudo o que faz por eles. É uma mulher forte e generosa, que acolhe inclusive pessoas que são normalmente marginalizadas pela sociedade, como prostitutas e leprosos. A Princesa Mononoke, por outro lado, tem uma raiva cega dos humanos, a ponto de não conseguir mais dialogar com eles e nem reconhecer suas virtudes. Essa raiva em nada ajudava a construir um diálogo com Lady Eboshi para que ambos os lados convivessem em paz. Por isso, eu vejo que essa história é muito mais do que um embate entre o capitalismo e a natureza. Além de ser um grito contra o pior da nossa humanidade – a ganância, as guerras, a destruição da natureza e dos animais – é uma reflexão pela necessidade de conciliação, diálogo e harmonia entre todos.

O principal motivo do filme ter me tocado tanto é o fato de eu ter conseguido enxergar todos os aspectos dessa história na nossa realidade. Tudo o que parece tão fantasioso, tão extremo no filme, está cada vez mais escancarado no nosso mundo. Estamos vivendo uma verdadeira guerra – não como no filme, com sangue derramado, mas uma guerra escondida. Um extremo de polarização, de falta de diálogo, ofensas, cancelamentos, julgamentos, discussões sem fim, consumismo exacerbado, poluição, lixo, tortura e matança de milhões de animais… Estamos sim em guerra com a natureza. E em guerra uns com os outros. E chegamos nesse ponto, onde um verdadeiro demônio se manifestou, o COVID-19, assim como o demônio do início do filme, que quis exterminar os humanos por ódio deles.

Mas o filme é lindo, porque ele traz uma luz. Ele mostra a capacidade e o poder da natureza de cura e regeneração. Além disso, podemos nos inspirar nessas personagens femininas maravilhosas do filme para manifestarmos o melhor em nós. Entendendo que, assim como elas, temos as nossas falhas, e ocupamos lugares diferentes nessa sociedade. Mas mesmo assim, todas nós temos o poder de criar, cuidar e nutrir. Por isso, recomendo esse filme com todas as minhas forças. Espero que inspire vocês tanto quanto me inspirou 😉

Avatar of Daniella Kakazu
Engenheira Química pela UFSCar, com pós graduação em Sustentabilidade pela Universidade da California em Los Angeles. Logo depois que terminou sua pós, começou a empreender na Jaci. Fez cursos de saboaria natural no Santo Sabão, se formou como aromaterapeuta pela Aromaflora e é certificada em Advanced Organic Skincare Science pela Formula Botanica.
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2 comentários em “A Princesa Mononoke: uma animação ecofeminista

  1. Dani, que post lindo! Assisti o filme semana passada e não havia notado tantos aspectos assim até ler seu texto. O filme ficou mais lindo e especial ainda! 💜

    1. Carol, fico muito feliz que você tenha gostado! E mais ainda que o filme tenha se tornado mais especial pra você… Ele realmente é uma preciosidade, né? <3

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