ecofeminismo

Ecofeminismo (parte I)

Você já percebeu que a Natureza é constantemente representada e referenciada como um ser feminino? Falamos do nosso planeta como Mãe Terra e também chamamos a Natureza, por muitas vezes, de Mãe Natureza. Por que será que isso acontece?

Boletim do Meio Ambiente: As mulheres e o movimento ambientalista: O  Ecofeminismo
Estátua de Gaia – A deusa Terra

As mulheres têm muitas semelhanças com a Natureza. Ambas têm seus ciclos e têm o poder de transformar sementes em vida. Além disso, o papel tradicional das mulheres na sociedade tem sido, historicamente, cuidar e nutrir, da mesma forma que a Terra nutre as coisas vivas. As palavras que associamos a cada um desses termos também são similares entre si e opostas ao que pensamos sobre os homens e o masculino. Dentro das palavras que englobam a Natureza e o feminino estão: cuidado, beleza, vida, fertilidade, enquanto os homens muitas vezes são associados à razão, força, ciência e tecnologia. Mesmo após a revolução industrial, que mudou a forma como vemos a natureza, essas idéias não se desassociaram. Depois dela,  ela não seria mais regida por algo cósmico e desconhecido, mas algo mecanizado e feito para ser controlado, assim como os corpos das mulheres.

Foi a partir dessa ideia que nasceu o pensamento ecofeminista. Ao reconhecerem que a opressão e dominação experienciada pela Natureza seriam as mesmas e teriam as mesmas causas e protagonistas que a opressão e dominação sofrida pelas mulheres.

Antes de explicar o que é o ecofeminismo em si, devemos nos lembrar que gênero é fruto de construções sociais. Há muito já se fala que não se nasce mulher, torna-se mulher. Afinal, o que define alguém realmente como mulher? Simone Beauvoir, a autora dessa máxima, explica dizendo que “nenhum destino biológico, psíquico ou econômico define a forma que a mulher ou a fêmea humana assume no seio da sociedade”. Assim, é a sociedade que define o que qualifica (positiva ou negativamente) o que é o feminino na nossa civilização.

Todos esses conceitos mostram as divisões binárias criadas pelo patriarcado, desde a Antiguidade, para se isolar e dominar o outro. Aristóteles definiu que a racionalidade era algo inerente aos homens e que as mulheres eram menos aptas a pensar e, consequentemente, menos humanas. Se contrapondo a esse pensamento em sua essência, a teoria Queer traz questionamentos muito importantes e interessantes sobre essa binariedade. Dentro dessa teoria há a construção da ideia de que não são necessários rótulos dentro de nossos gêneros e de nossa sexualidade. 

Uma das divisões criadas pelo homem para segregar e se impor sobre os outros está nos termos transcendência e imanência. Essa separação pode ser exemplificada pela narrativa de Ulisses em “A odisseia”. Enquanto o herói, que em sua jornada se transforma, liberta e cria sua independência e autonomia (transcende), Penélope cumpre seu papel de esposa dedicada, que espera, serve e entrega seu futuro a um ser externo a si (imanência). Enquanto ao homem se dá todas as condições para constante superação e descobertas, da mulher se espera cortesia, graça, serviência e sedução. Acabamos reduzidas a estereótipos que nos limitam e nos restringem, nos impedindo de alcançar nossa liberdade pessoal. A nossa vida e nosso desejo sendo mulher são construídos para estar externo a nós, em um homem. Isso mexe com a nossa auto-estima e confiança e nos deixa sempre condicionadas a  fazer o que se espera que uma mulher faça socialmente, para sermos assim reconhecidas.

Simone de Beauvoir: Uma Vida | Revista Bula
Simone Beauvoir: feminista e revolucionária

A primeira vez que esse pensamento foi escancarado e criticado foi com Simone, no texto “O segundo sexo”. A partir dele que se fundou o pensamento de que o gênero é uma categoria analítica (algo utilizado apenas para que se possa haver comparação e posterior crítica) e que a diferença entre eles não é algo natural e inerente e sim inventada. O feminismo de Beauvoir reivindica que as mulheres tenham direito à liberdade, energia criativa e capacidades que lhes foram negadas.

Vimos, então, como as ideias criadas sobre masculino e feminino oprimem os “não-masculinos”, afinal, podemos abranger o que acontece com as mulheres para os outros gêneros também. E ao pensar novamente na natureza, percebemos que as forças que insistem em destruí-la são masculinas e partem de homens, enquanto as mulheres, principalmente as negras, são as mais afetadas pelas catástrofes ambientais causadas. A ciência e a tecnologia, ao invés de auxiliar o nosso convívio equilibrado com a Terra e seus outros habitantes, serviu para violentar nosso planeta, enxergando a Natureza apenas como fonte inesgotável de recursos para enriquecimento próprio (capitalismo). Mas o que eles esquecem de considerar é que esses recursos não são infindáveis e que precisamos deles para manter a nossa vida e não para enriquecer. A dominação da Natureza em nome da razão tem sido a causa principal da ruína do nosso planeta.

Dr. Vandana Shiva to speak at Zuccotti/Liberty Square this Thursday | Vandana  shiva, Inspirational people, Shiva
Vandana Shiva

Mas e o que é o Ecofeminismo, afinal? É a ideia de que as forças que marginalizam, dominam e oprimem a Natureza são as mesmas forças que marginalizam e oprimem as mulheres. Segundo Vandana Shiva, uma das maiores pensadoras ecofeministas, ele também é o reconhecimento da criatividade que há na Natureza e da criatividade que há nas mulheres. Essa criatividade, ao ser reconhecida, pode dar origem a uma nova cultura, política, filosofia e ciência. É a associação de que não pode haver libertação de uma forma de opressão sem que haja a libertação de todas as formas de opressão, sendo elas de raça, gênero, classe, etnia, religião, sexualidade ou espécie. Por isso o movimento foca em mulheres. Como sofremos com as restrições e opressões criadas pelo patriarcado e as sentimos na pele, devemos ter como prioridade não causar a mesma opressão e restrição a outros seres. Essa é a mesma ideia que Paulo Freire defendia sobre a educação. Ele dizia que essa deve ser libertadora, para que o desejo do oprimido não seja se tornar o opressor. Devemos fazer o mesmo ao nos educar e ao educar outras mulheres e pessoas oprimidas: criar condições de pensamentos libertários, para que possamos quebrar esse ciclo e iniciar uma nova história com a humanidade. 

As ecofeministas acreditam que a dominação nasce a partir da perspectiva patriarcal e que essa, ao interagir com outros sistemas, gera novas lógicas de dominação, como o racismo, especismo e o classicismo. Então a mesma opressão acaba por ser reproduzida sobre diversos seres e por isso é essencial finalizarmos esse ciclo e criar novos sistemas sociais e econômicos.

Ainda há muito a ser dito sobre o Ecofeminismo, como as soluções para as questões levantadas por ele, críticas ao movimento, vertentes, entre outros e queremos continuar essa conversa  sobre esse movimento tão importante, para que possamos, juntas, nos mobilizar para rompermos esse ciclo de dominação e controle e entendermos, cada vez mais e de forma mais complexa, as diversas facetas que englobam esse movimento. Para falar sobre isso, faremos novos posts sobre o tema e esperamos te ver por aqui.

Você já conhecia o ecofeminismo? Acredita que esse movimento pode encontrar soluções para a situação em que nos encontramos agora? 

Referências:

https://brasil.elpais.com/brasil/2019/07/05/cultura/1562337766_757567.html
https://diplomatique.org.br/a-mulher-e-a-natureza-uma-mistica-recorrente/
https://www.gendercampus.ch/de/blog/post/what-can-we-learn-from-ecofeminists

Podcast Ecofeminismo: Mulheres e Natureza da Modifica

Podcast O tempo virou – episódio #24 – da Giovana Nader

Podcast Outras Mamas – episódio #36 – de Babi Miranda e Thais Goldkorn

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Engenheira Química pela UFSCar. Trabalhou na área de logística na Ambev, qualidade da Casale Equipamentos e atuou como consultora da EY. Iniciou estudos de Cosmetologia e Fitoterapia no Instituto Holistico Maya, em Playa del Carmen e é formada em Fitoterapia pela Humaniversidade. Fex o Curso de Formulação Orgânica e Natural para Cabelos pela Formula Botanica (UK) e hoje cursa Formulação Orgânica e Natural para Peles na mesma escola.
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